quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

EU SOU O SENHOR DO CASTELO


DESEJO QUE VOCÊ ATRAVESSE O NOVO ANO COM O SAVOIR-FAIRE DE BENTO NESTE MOMENTO: ANCHO, FARTO, FORRO, RELAXADO, CONFIANTE, GRACIOSO, DONO DE SI. E FAZENDO CHARME...

REVEION!

Neste último dia do ano pensei em escrever alguma coisa que nos lembrasse do óbvio: uma grande parte do que usufruímos - ou não - em nossas vidas, está diretamente ligado a nossas atitudes. Diz-se em minha terra: 'não se conseguirá jamais colher laranja se plantarmos abacaxi'. Queria nos lembrar a todos que através deste simbolismo do calendário - uma meia-noite - podemos reciclar a vida, retomar planos produtivos, resgatar a solidariedade, cuidar da saúde, (des)alinhar quadros na parede, enfim, nos apossar - até onde possível - das rédeas de nossa própria vida. Assumir o roteiro.
Drumond já lembrou há anos: 'É dentro de você que o Ano Novo cochila e espera desde sempre'. Gonzaguinha já cantou que 'Somos nós que fazemos a vida como der, ou puder, ou quiser...'. Chico, dono do seu destino: 'Vida, ah, minha vida, olha o que é que eu fiz...'
Escreveria, enfim, sobre a urgente necessidade de nos tornarmos os artífices de nós mesmos.
Acontece que me lembrei, entre as palavras, de um bela passagem da Elisa Lucinda, fremente poeta, que traduz, à perfeição, minha mensagem para esta virada, que pode - mais uma vez - fazer girar o caleidoscópio.

LIBAÇÃO

"É do nascedouro da vida a grandeza.
É da sua natureza a fartura
a proliferação
os cromossomiais encontros,
os brotos os processos caules,
os processos sementes,
os processos troncos,
os processos flores
são suas mais finas dores.

As consequências cachos,
as consequências leite
as consequências folhas,
as consequências frutos
são suas cores mas belas.

É da substância do átomo
ser partível, produtivo, ativo e gerador
Tudo é no seu âmago e início
patrício da riqueza, solstício da realeza.

É da vocação da vida a beleza
e a nós cabe não diminuí-la
não roê-la
com nossos minúsculos gestos ratos,
nossos fatos apinhados de pequenezas
cabe a nós enchê-la,
cheio que é o seu princípio

Todo vazio é grávido desse benevolente risco
todo presente é guarnecido
do estado potencial de futuro

Peço ao ano-novo
aos deuses do calendário
aos orixás das transformações:
nos livrem do infértil da ninharia
nos protejam da vaidade burra
da vaidade 'minha' desumana sozinha
Nos livrem da ânsia voraz
daquilo que ao nos aumentar
nos amisquinha

A vida não tem ensaios
mas tem novas chances

Viva a burilação eterna, a possibilidade:
o esmeril dos dissabores!
Abaixo o estéril arrependimento
a duração inútil dos rancores

Um brinde ao que está sempre nas nossas mãos:
a vida inédita pela frente
e a virgindade dos dias que virão."

Saúde!

quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

O TEMPORA, O MORES!

Ao abrir os olhos, esta manhã, uma frase me veio à cabeça, contundente, viril e peremptória: - CAPITÃO, O TEMPO URGE!

Estou certo de já tê-la ouvido, com esta mesma ênfase, mas não lembro onde. Um livro, talvez; uma peça de teatro; um devaneio qualquer. Pensei, então, nas artimanhas do tempo, um ano chegando ao fim. Fui me ter em um texto que não se inquieta a respeito da passagem, propriamente, do tempo, mas de suas estações, todas elas profícuas e necessárias.


ECLESIASTES:

"Para tudo há uma ocasião certa;
há um tempo certo para cada propósito debaixo do ceu:

Tempo de nascer e tempo de morrer,
tempo de plantar e tempo de arrancar o que se plantou,
tempo de matar e tempo de curar,
tempo de derrubar e tempo de edificar,
tempo de chorar e tempo de rir,
tempo de prantear e tempo de dançar,
tempo de espalhar pedras e tempo de ajuntar pedras,
tempo de abraçar e tempo de deixar-se de abraçar,
tempo de procurar e tempo de desistir,
tempo de guardar e tempo de jogar fora,
tempo de rasgar e tempo de cerzir,
tempo de calar e tempo de falar,
tempo de amar e tempo de odiar,
tempo de lutar e TEMPO DE VIVER EM PAZ"

Desejo que 2010, logo ali na esquina, traga BOM TEMPO!

Um abraço.

terça-feira, 29 de dezembro de 2009

DO RIACHO


Cheguei anteontem de Belém, onde fiquei alguns dias em família. Chego sempre aos poucos porque embora não tenha dúvida que meu porto seja em São Paulo, é ali, naquela região, que está fincada minha âncora. Numa confluência imaginária entre o Rio Tocantins, o Rio Guamá e a parte do Atlântico que banha São Luis do Maranhão. Foi por ali que espiei pelas primeiras vezes este mundo vasto. Dali, daquele píer, saí para uma outra vida que me convocava desde muito cedo. Ancestrais navegadores.

Escrevi, certa vez:
'Não é no mar, embora se ame o mar,
Não é no rio, por mais que se o ame,
É no riacho que se vai afundar
Só até a cintura,
Só até a moldura
E refrescar a vida inteira'

Parte de minha infância e adolescência foi passada em uma fazenda no interior de Goiás, hoje Tocantins, junto a meus pais e irmãos, e muitas vezes com tios, primos e uns poucos amigos. Lembro do silêncio, do ceu azul, da noite preta que se transmutava em prata na luz das estrelas. Do meu pai, descontraído e jovem, mandando selar os cavalos e abrir as porteiras; minha mãe às voltas com as plantas, os ovos de pata, o arroz de leite com carne de sol. Toalha branca na mesa.
Fragmentos desta infância povoada de duendes e fantasmas, a viagem dos carneirinhos que meu pai narrou durante anos, a mulher da lamparina que errava nas noites sem lua, os banhos no riacho gelado, o vento zunindo nas frestas das janelas e a chuva da madrugada lavando telhas e medos, coloquei no papel e chamei ao conjunto destas memórias de 'O Rio Que Corre Estrelas'. Tenho transcrito alguns destes fragmentos por aqui. São preciosos para mim.

Pois é de tudo isso que volto quando chego do convívio com 'os meus'. É de uma vitória sobre o tempo. Porque nada é pretérito quando estamos juntos. Tudo se repete num milagre atemporal e inquebrantável. Está tudo ali disposto, ao alcance das mãos. Nesta moldura estamos todos ocupados e saudáveis. Ocupados como o são as crianças, e saudáveis como se sentem todos os que se percebem iluminados por um Sol.

Daqui a pouco eu acabo de chegar. Um abraço.

segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

POEMA

De volta a São Paulo, meia cabeça em Belém, segue esta joia de Wally Salomão, enquanto vou chegando:

'Cresci sob um teto sossegado
meu sonho era um pequenino sonho meu.
Na ciência dos cuidados fui treinado.

Agora, entre meu ser e o ser alheio
a linha de fronteira se rompeu.'

Até já!

domingo, 27 de dezembro de 2009

POESIA

De minha coletânea 'O Rio Que Corre Estrelas':

Minha mãe vai me dar um beijo
E é necessário que tudo se cale,
Tudo se acalme e encontre o seu curso natural porque minha mãe vai me dar um beijo.
Vou me vestir de marinheiro,
Botar um smooking ou rasgar o jeans, furar a orelha, tatuar a nuca,
Porque é necessário personalizar este momento.
Meu rosto está aqui, minha boca, aqui.

Lá vem minha mãe estendendo-me os braços
E eu não sei quem é que me arranca destes braços
E que, mantendo o xote que toca na vitrola, me dá um beijo descontraído na face rubra
E me puxa com entusiasmo para o meio do salão.
Estreito no peito este vulto imprevisto.
Nossa sombra dança nas paredes e no telhado,
Multiplicada em mil figuras rabiscadas pelo vento que assopra a lamparina,
E nossas pernas se tornam traços de giz no chão batido.

sábado, 26 de dezembro de 2009

SABEDORIA

A carta que você vai ler a seguir foi escrita em 1854 pelo chefe indígena SEATTLE ao Presidente dos EUA, que na ocasião solicitava a compra de suas terras. Esta carta se tornou conhecida internacionalmente. Aqui em Belém, o 'Portão da Amazônia', onde a influência indígena ainda é patente e onde se está mais próximo de tudo o que sabemos que está acontecendo com a selva, partes deste texto me vêm diariamente à cabeça quando saio para caminhar pela manhã. Pesquisei na Internet e fiz uma edição porque o texto é longo. Se houver interesse não será difícil conhecê-la na íntegra.

'Como é que se pode vender o céu, o calor da terra?! Essa ideia nos parece estranha. Se não possuímos o frescor do ar e o brilho das águas, como é possível comprá-los?
Cada pedaço dessa terra é sagrado para o meu povo. Cada ramo brilhante de um pinheiro, cada punhado de areia das praias, a penumbra na floresta densa, cada clareira e inseto a zumbir são sagrados na memória e experiência de meu povo. A seiva que percorre o corpo das árvores carrega consigo as lembranças do homem vermelho.

Os mortos do homem branco esquecem sua terra de origem quando vão caminhar entre as estrelas. Nossos mortos jamais esquecem esta bela terra, pois ela é a mãe do homem vermelho. Somos parte da terra e ela é parte de nós. As flores perfumadas são nossas irmãs; o cervo, o cavalo, a grande águia, são nossos irmãos. Os picos rochosos, os sulcos úmidos na campina, o calor do corpo do cavalo, e o homem, todos pertencemos a mesma família.

Por isso, quando o Grande Chefe, em Whashington, manda dizer que deseja comprar nossa terra, está nos pedindo demasiado. O Grande Chefe diz que nos reservará um lugar onde possamos viver satisfeitos. Ele será nosso pai e nós seremos seus filhos, portanto nós vamos considerar sua oferta de comprar nossa terra. Mas isso não será fácil. Esta terra é sagrada para nós, e, se lhes vendermos a terra, vocês devem lembrar-se disso e o devem ensinar a suas crianças, fazendo-as perceber que cada reflexo nas águas límpidas dos lagos fala de acontecimentos e lembranças da vida de meu povo. O murmúrio das águas é a voz dos meus ancestrais. Se lhes vendermos nossas terras vocês devem ensinar aos seus filhos que os rios são nossos irmãos e seus também. E que, portanto, o devem tratar com a reverência e zelo com que se tratam os irmãos.

Sabemos que o homem branco não compreende nossos costumes. Uma porção da terra, para ele, tem o mesmo significado que qualquer outra, pois é um forasteiro que vem à noite e extrai aquilo de que necessita. A terra não é sua irmã, mas sua inimiga, e quando ele a conquista, prossegue seu caminho. Deixa para trás os túmulos de seus antepassados e não se incomoda. Rapta da terra aquilo que seria de seus filhos e não se importa.

Eu não sei, nossos costumes são diferentes dos seus. A visão de suas cidades fere os olhos do homem vermelho. Não há um lugar quieto nas cidades do homem branco. Nenhum lugar onde se possa ouvir o desabrochar de folhas na primavera ou o bater das asas de um inseto. O ruído parece somente insultar os ouvidos.

O ar é precioso para o homem vermelho, pois todas as coisas compartilham o mesmo sopro. Parece que o homem branco não sente o ar que respira. Como um homem agonizante há vários dias, insensível ao fétido odor.

Se vendermos nossas terras, o homem branco deve tratar nossos animais como seus irmãos. Vi milhares de búfalos apodrecendo na planície, abandonados por um homem que os alvejou de um trem ao passar. Eu sou um selvagem e não compreendo como um fumegante cavalo de ferro pode ser mais importante que o búfalo, que sacrificamos somente para permanecer vivos.

O que é o homem sem os animais? Se todos os animais desaparecessem, o homem padeceria de uma grande solidão espiritual. Pois o que ocorre com os animais em breve ocorrerá ao homem. O que ocorrer com a terra recairá sobre os filhos da terra. O homem não teceu a trama da vida, ele é apenas um fio. Tudo o que fizer ao tecido, fará a si mesmo.

Mesmo o homem branco, cujo Deus caminha e fala com ele de amigo para amigo, não pode estar isento do destino comum. É possível que sejamos irmãos, apesar de tudo. Veremos.

Onde está o arvoredo? Desapareceu. O translúcido riacho? Desaparaceu. Onde a Grande Águia? Desapareceu.
TERMINA A VIDA E COMEÇA A SOBREVIVÊNCIA'.

sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

NOEL


Em Belém temos céu de brigadeiro. E o vento. Sairemos de barco pela Baía do Guajará daqui a pouco.

Desejo a você um FELIZ NATAL. Um céu de estrelas.

Vamos contribuir para que as pessoas menos afortunadas do que nós consigam alguma estabilidade na vida.

Forte abraço.

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

DE BELÉM DO PARÁ


Belém é uma cidade morena. E sua. Transpira. Cheia de cheiros, Belém. Patchuli, tucupi, Phebo, maniva, pimenta. Belém não é verde como muita gente pensa, embora no centro da cidade as mangueiras formem tuneis verdes de onde deixam escapulir as mangas sobre os carros, só por diversão. Quando morei aqui colhia manga pela janela do meu quarto com um coador de café enrolado no cabo de uma vassoura. A gente pobre catava as mangas e as comia com farinha, devido a fome. A gente rica fazia o mesmo, por puro gosto. Hoje não sei mais como é. A única manga que vi despencar nestes dias caiu exatamente sobre o carro de minha irmã e não vi que destino teve.

Morei aqui por oito anos, no começo de minha juventude. No Colégio Marista Nossa Senhora de Nazaré travei conhecimento com uma formalidade que desconhecia no interior do Maranhão, de onde vim. Aprendi a levantar cedo e a zelar pelo uniforme. Plantei uma mangueira. Em minhas manhãs aspirava um cheiro de pinho.
Foi aqui que cursei a Faculdade de Medicina até o quinto ano, pois o Internato fiz na Beneficência Portuguesa de São Paulo e de São Paulo nunca mais saí, tamanha a paixão.
No Teatro da Paz, ainda hoje orgulho dos paraenses, assisti aos meus primeiros espetáculos e conferi praticamente todas as apresentações do Projeto Pixinguinha, acompanhado de meu pai que trabalhava na mesma Praça da República que abriga o Teatro. Eu o esperava guardando lugar na enorme fila de jovens que se fazia à porta. Por ali passaram, no nascedouro, Simone, Elba Ramalho, Geraldo Azevedo, Zezé Mota. E pude ver de perto artistas consagrados como Regina Duarte, Tarcisio e Glória Meneses, Elis Regina, Gal Costa. Só nunca pude tomar um refrigerante no Bar do Parque, contíguo, porque aquele ambiente 'marginal' não depunha a favor de quem trilhava a free way e desconhecia estradas vicinais. Muitos anos depois, sentei ali com uns amigos, de férias na cidade, mas aí já havia passado tempo demais. O Bar do Parque era apenas mais um lugar aprazível para se tomar uma cerveja e refrescar o calor.

Do Círio de Nazaré é impossível esquecer. Poucos espetáculos são tão emocionantes. Faz pouco tempo que o resto do Brasil se deu conta do que acontece em Belém no segundo domingo de outubro. Milhares de pessoas (hoje contam 2 milhões) saem às ruas para louvar a Virgem de Nazaré, padroeira da cidade. É uma festa religiosa e pagã, até pela dificuldade em articular tamanha multidão em torno de uma homilia mais formal. Trata-se, então, de um congraçamento dos paraenses entre si e de quantos afluírem para sua cidade nesta data. Para se envolver neste encantamento não é necessário ter alguma fé ou processar qualquer religião. A sinergia entre as pessoas é o verdadeiro milagre.
Nesta altura há um 'paticídio' em toda a região, porque da mesa mais simples à mais sofisticada, o pato no tucupi reina soberano, e o cheiro da mandioca prensada, do jambu, das pimentas envolve a cidade em uma atmosfera idílica. O Círio de Nazaré é uma festa visceral, sensual, um verdadeiro brinde aos sentidos. Preciso ver isso de novo.

Fiquei ausente de Belém por muitos anos, desde que meus pais voltaram para o Maranhão, que passou a ser novamente meu quartel general familiar, para onde ia pelo menos uma vez ao ano; ou muito mais. Um tempo passou. Com o avançar da idade, eles precisaram voltar para a cidade grande e, há três anos, voltei a frequentar o Pará. Ainda estou tomando chegada. Agora tenho olhos de turista - e sou tratado como tal. As pessoas, gentilmente, querem me mostrar as belezas e apontar o progresso. Querem que eu não sinta tanto calor e que não me falte verdura à mesa, já que agora me alimento como um paulistano. Insinuam um açaí com peixe frito no Ver-O-Peso, mas temem pela minha digestão. Me perguntam se está quente demais para encarar uma maniçoba, mas se esbaldam com a minha dificuldade em debulhar o caranguejo toc-toc. E se regozijam quando saio sozinho, final da tarde, e vou à calçada de meu antigo colégio tomar meu tacacá. Ser olhado assim é rejuvenescedor.

É extremamente zeloso este povo que é um pouco meu. Tenho duas sobrinhas que nasceram aqui, meu irmão casou com uma paraense há vinte e muitos anos.

O tempo divide, não há dúvida, mas algumas coisas serão para sempre: um som, um aroma, um paladar. Uma madrugada em que, chegado da rua, feliz, com meu irmão e alguns primos, sentados no chão do terraço do apartamento, olhei as mangueiras enfileiradas à frente e temi perdê-las de vista. Por descobrir, naquele momento, que era isso que deveria ser feito.


Muitos anos depois, escrevi em minha coletânea "O Rio Que Corre Estrelas":

'No momento da partida, quando se romperam laços, ajuntei pedras.
E as depoitei uma a uma no alforge que atei à cintura.
Pela vida afora e em momentos diversos, com uma mão precisa, depositei-as no chão.
Para aliviar o fardo e demarcar a rota.
Uma a uma, por delicadeza.
Em distintos sítios para que, no retorno, a trilha não me conduzisse em linha reta a um único lugar.
Quando acontece de nos encontrarmos pelo caminho,
aliso cada uma com a mão calejada, retiro dela o limo e, rapidamente, a arremesso para longe, longe, no limite de mihas forças.
Alinho-me e, em movimento, aguardo, sem me preocupar com isso, nosso próximo encontro'.

Um abraço.

RETRÔ2009/A CENA


Este ano não fui ao cinema. Aos filmes destacados aqui assisti em DVD.

Por influência de minha amiga Graciela, resolvi botar mais reparo na obra de Woody Allen. O cineasta nunca me chamou a atenção, a despeito de sua irreverência e criatividade, qualidades que aprecio sempre. Comecei assistindo novamente Noivo Neurótico, Noiva Nervosa, a cara dos 70. Passei por O Sonho De Cassandra, Tiros na Broadway, Zelig, Igual A Tudo Na Vida, Vicky/Cristina/Barcelona. Gostei especialmente dos dois últimos. Não me tornei allendiano mas me diverti com seus filmes.

Já que estava reinaugurando a era dos festivais domésticos, resolvi rever um dos meus artistas preferidos, Ingmar Bergman. Assisti, de enfiada, Gritos e Sussurros, Persona, Sonata de Outono, Cenas de Um Casamento e Morangos Silvestres. Em Sonata de Outono está uma das frases mais impactantes da literatura Bergman. No auge do confronto entre mãe e filha naquela noite de cartas na mesa, esta última se dirige à primeira: 'Será a infelicidade da filha o prazer secreto da mãe?'
Nunca havia assistido Morangos Silvestres. Gostei tanto que pensei em comprar o DVD. O protagonista, Sr Isac Borg, é cativante. O ator que o interpreta, Victor Sjostrom, primoroso.

Em abril assisti a um filme nacional que me agradou imenso: Estômago. Um filme original, com interpretação impressionante do João Miguel. Sem dúvida, Divã é um filme agradável, e Linha de Passe, apesar de escuro na fotografia e na alma, merece ser visto.

Surpresa agradável foi O Segredo Do Grão. Poucas vezes vi uma narrativa de cinema tão coloquial. As personagens têm vida e, em pouco tempo, estamos todos embaralhados naquele universo.

Medos Privados Em Lugares Públicos é outro francês muito interessante. Entre Os Muros Da Escola me prendeu do começo ao fim, provocando sentimentos diversos. Os atores são amadores, o que soa incrível diante da qualidade de suas interpretações. Ao final do filme somos amigos do professor desde a primeira infância, tal seu coloquialismo e empatia.

O Amor Nos Tempos Do Cólera é o que se chama um filme bonito. Não tanto quanto Morte Em Veneza (Luchino Visconti), que revi depois de reler o livro de Thomas Mann em um domingo chuvoso. Se eu tivesse um telão na parede de casa, deixaria este filme passando ininterruptamente, sem som, para, vez em quando, ao dar por ele, ser novamente abalroado por toda a beleza.

O Estranho Caso De Benjamin Button poderia ser mais curto. Quem Quer Ser Um Milionário me agradou mais pela ideia do que pela realização. Dúvida e O Leitor são bons filmes, especialmente este último. Capote é eloquente, mas o mais impressionante ali é mesmo a interpretação do Phillip Hoffman. E Irina Palm é desconcertante. Grande Irina!

A Vida Secreta Das Palavras é um filme árido e de uma beleza que se dói antes de se manifestar.

Na televisão duas coisas me surpreenderam: a minissérie Som e Fúria e uma entrevista do Pedro Cardoso para o Sem Censura da TVE. A minissérie teve tudo o que se espera de um bom programa: texto, ritmo, direção, e uma interpretação arrojada de todo o elenco (Felipe Camargo, quem diria...). A entrevista de Pedro Cardoso me impressionou pela inteligência, coragem e articulação com que defendeu ideias a respeito de sua profissão e de cidadania.

Assisti a bom teatro. Vou destacar Zoológico De Vidro (T. Willians) em uma montagem exemplar, Centenárias (Newton Moreno) com Marieta Severo e Andrea Beltrão dando carta e jogando de mão, se diria em minha terra. A Alma Boa De Setsuan (Brecht), com uma Denise Fraga quase sempre agradável. Ainda teve Marília Pera leve e divertida na pele de Florence Jenkin, a patética 'pior cantora do mundo'. Um digestivo, digamos assim...

Não dá para esquecer Turismo Eterno, belo espetáculo português com o texto magistral de Fernando Pessoa. O diretor Ricardo Pais promove um encontro entre os heterônimos de Pessoa tecendo um enredo elegante e viril.

A Alma Imoral é uma adaptação do livro homônimo de Nilton Bonder, feita com extrema sensibilidade por Clarice Niskier. Incrível como ela se apossa inteiramente do pensamento do autor, tornando o espetáculo absoluto e autoral.

Shows, fui a poucos, mas participei de um 'movimento': Roberto Carlos no Ginásio do Ibirapuera. Quem já assistiu a um concerto do Rei sabe a que me refiro. O espetáculo começa nos arredores do ginásio. Os asseclas vêm de toda a parte e de todas as maneiras. De limusine à cadeira de rodas, todos chegam lá. E já chegam em ponto de bala, doidos para se relacionar. Nas arquibancadas é necessário pouco tempo para que estejam instaurados os laços de sangue. A família Roberto o aguarda ansiosa. Quando ele chega, o frenesi é geral. Não há nada de novo ali. Trata-se de um reencontro, um reconhecimento. São todos íntimos. Você viu, você esteve lá. Ao desfiar seu repertório, fica claro que há pelo menos uns três ou quatro robertos na trilha sonora de sua vida. E quando ele sai, do lado de cá do pano a família ainda celebra o encontro, feliz, cantando a plenos pulmões aqueles mantras. Canções que jamais foram compostas, que desconhecem autores e datas, pois sempre estiveram ali naqueles corações e mentes.

Para encerrar o ano (pouco) musical, nada mais apropriado do que Maria Bethânia em seu novo show Amor, Festa, Devoção. Uma beleza! Mas sobre ele escrevi há pouco em outro post por aqui mesmo. Continua valendo.

Termino citando a frase final de Zoológico De Vidro, dita pelo filho, Tom, alterego do próprio Tennesse Williams: 'Laura, apaga a vela, que o mundo agora será iluminado por relâmpagos...'

Abraços.

A foto é de Miriam Jerônimo. Parte do cenário do primeiro ato de Amor, Festa, Devoção. São Paulo, 10/12/09

domingo, 20 de dezembro de 2009

RETRÔ2009/LIVROS


Literariamente, para mim, 2009 foi o ano da descoberta de Marcel Proust e sua A Procura Do Tempo Perdido. Ainda estou no terceiro volume da série, O Caminho de Guermantes, (são sete), e esta degustação é um capítulo à parte no prazer que é ter um bom livro nas mãos. Como não o leio initerruptamente, estou sempre intercalando esta leitura com algum outro livro. Assim, cheguei ao segundo autor que mais me impressionou nos últimos tempos: Albert Camus. Claro que já o conhecia (de vista), já havia lido O Estrangeiro, anos atrás, mas só este ano sua palavra foi realmente impactante. Reli O Estrangeiro e descobri A Queda, provavelmente o texto mais eloquente a que tive acesso nos últimos tempos. Li duas vezes, em dois fôlegos. Tivesse eu talento para isso, o adaptaria para um monólogo e o levaria ao palco. Mika Lins fez o mesmo com Memórias do Subsolo, de Dostoievski (na mesma linha de A Queda), e construiu um bom espetáculo.

Comecei o ano lendo A Montanha Mágica, de Thomas Mann, que meu pai me deu em meu aniversário. Outra viagem! Comecei bem, não?! Resolvi, então, continuar nos clássicos e procurar os livros dos quais me cobrava leitura. Assim cheguei ao Proust e ao Camus.

Revi tópicos de um livro impressionante que li ano passado: Precisamos Falar Sobre o Kevin, de Lionel Shriver. Quem leu, arrepiou. Se você ainda não leu saia correndo para a livraria mais próxima. Estando lá, traga também De Verdade, do Sandor Márai. Este húngaro é sensacional.

Houve surpresas, a maior delas, Oscar Wilde e O Retrato de Dorian Gray. Este me apresentou a um personagem que me arrebatou: Lorde Henry. Irreverente, mordaz, inteligente e amoral, funciona como o (mau?) conselheiro do protagonista. Tem tiradas como esta: 'a tragédia da velhice não é a existência do velho, mas, a existência do jovem'. Assisti ao filme homônimo, de 1944, entretanto o protagonista não tem o carisma da personagem criada por Wilde. Lorde Henry, contudo, está lá, imperturbável.
Com isso, cheguei a um livro de correspondências de Oscar Wilde. Uma delas, que veio a se transformar em um texto à parte - De Profundis - é de tirar o fôlego. Trata-se de uma carta enviada da prisão a Lorde Douglas, o jovem com quem vinha mantendo um relacionamento afetivo, motivo pelo qual foi condenado à prisão na Inglaterra.

Li, ainda, com muito gosto, Cadernos de Infância, de Norah Lange, Cartas a Téo (correspondência de Van Gogh com o irmão), De Amor e De Trevas (autobiografia de Amos Óz), O Carrasco do Amor (contos que misturam ficção e realidade em casos atendidos pelo psiquiatra), do Irvin Yalom. Falando nele, há um audiolivro de Quando Nietzsche Chorou com ótima narração do José Wilker. Bom para se ter no carro.
Seda, de Alessandro Barico é um livro original, e poucas vezes se viu um texto com tamanha delicadeza. E elegância.
Aventurei-me por um estilo que não é exatamente o que me atrai - aventura, enigmas - com O Homem Que Não Amava as Mulheres, primeiro livro da trilogia de Stieg Larsson. É envolvente. Gostei de ler mas não me animei a continuar a serie. A gente corre muito mas chega com pouco. O livro acaba de ser adaptado para o cinema.

Reli dois grandes textos do Freud: O Mal Estar da Civilização (de utilidade pública) e Totem e Tabu. Quem já leu Freud sabe que, além do pensador expressivo, ele foi um grande escritor. É com total domínio das palavras que ele manifesta suas ideias.

Não consegui levar adiante O Jogo da Amarelinha, do Cortazar. Não é ruim mas me soou datado, e eu já passei da idade - pode ser que um dia volte à ela. Decepcionei-me com Caim, do Saramago. Que o Santo Pai me perdoe mas achei um livro irritantemente primário. Quando se quer paródia, soa ginasiano, quando se quer humorado, se torna caricato. Falta consistência às personagens. Sem isso, o texto se justifica unicamente como expressão da fé inabalável do escritor nele próprio. Um arauto de si mesmo. A forma da narrativa me remeteu Suassuna. Sem, contudo, aquela verve. E aquela simplicidade tão sofisticada. Por outro lado, li com prazer A Viagem do Elefante, do mesmo escritor. Tropecei no Caso dos Sete Negrinhos, da Agatha Cristie. Este livro saiu em um novo formato e o comprei lembrando que havia lido há muitos anos e gostado. Realmente o mesmo homem não passa pelo mesmo rio duas vezes. Desta vez precisei de muita boa vontade para chegar ao outro lado da margem.

Por conta do bom espetáculo de Clarice Niskier, comprei A Alma Imoral, do Nilton Bonder. Raro caso em que a adaptação saiu melhor que o original. Bonder não levou para o papel a cadência e fluidez com que Clarice tratou suas ideias.
Foi Apenas Um Sonho conta uma boa história, bem adaptada para o cinema. O Leitor, idem.

Ainda dei á volta ao mundo, curioso, seguindo as estripulias e Aventuras da Menina Má, do Vargas Llosa. Deixou-me de língua de fora, a chilenita. Encontrei uma nova edição de Um Aprendizado, da incomparável Clarice Lispector. Repus o meu que sumiu há tempos. Reli pela milésima vez, porque Clarice, completamente hard core, é uma a cada estação. Também reli um de meus textos preferidos: A Espingarda De Caça, do japonês Yasushi Inoue. Tenho histórias com este livro.

Cheguei à biografia de Danuza Leão: Quase Tudo. Recomendável apenas para quem está com sua autoestima em dia. Diante de tamanha exuberância você vai acabar acreditando que sua própria vida daria, no máximo, uma microssérie de televisão. E olhe lá...

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

RETRÔ2009/NA ESTRADA


Meu lema: na dúvida, embarque. Costuma dar certo. Escolhendo bem as companhias, evidente. Mais importante que o roteiro, a companhia. Sòzinho também vale; às vezes, inclusive, é fundamental.

2009 começou bem, com uma viagem rápida a Paris em fevereiro, apenas para flanar um pouco e assistir Maria Bethânia que se apresentou na cidade àquela altura. Convenhamos: tudo é motivo para rever Paris. Cereja do bolo: a companhia de minha irmã que ainda não havia caminhado à beira do Sena comme il faut.

Em maio, uma semana no nordeste, entre Rio Grande do Norte e Paraíba. Apesar da chuva que, tendo a mesma ideia, nos acompanhou o tempo inteiro, foi muito gostoso ver o tempo quase não passar na Pipa, degustar a comida deliciosa do Tábua de Carne, em Natal, e me sentir deliciosamente isolado em Sagi, ainda longe do agito que por certo o invadirá proximamente. Isso para não falar na agradável surpresa de conhecer uma João Pessoa tão bem cuidada, agradável, e com um mar que é pura esmeralda. Acompanhado de amigos muito queridos, ainda hoje rememoramos uma semana onde tanta água não esmaceu minimanete o SOL; as companhias, lembra?!

Há pouco foi um final de semana no Rio de Janeiro. Amanheceu um daqueles sábados onde o Rio, para incomodar os detratores, se espreguiça, alonga os braços, insufla o peito, dá um jeito no cabelo, e se levanta para mostrar que a beleza existe sim, e é feérica, multicolorida, festiva, arrepiante, e está bem ali ao alcance de todos os olhos, eriçando pelos, lavando a alma. Aplaudi aquele arrebatamento com o corpo inteiro.

E entre uma coisa e outra sempre tem Itanhaém, onde moram pessoas muito especiais. Mas aí não é viagem, é retorno. Berço.

Embarco amanhã cedo para Belém. Natal in family. Nos falamos.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

RETRÔ2009/SUR PARIS


Tirando eu, você, e mais uns dois ou três desavisados, TODO O MUNDO bateu uma perna pelo Blvd Saint Germain, em Paris, no início do século passado. Só assim, num pequeno exercício de memória: Sartre e Simone, Scott e Zelda Fitzgerald, Albert Camus, Gertrude Stein, Joyce, Proust, Miró, Chanel, Ernest Hemingway. Até Freud e Pessoa, mais introspectivos do que esta turma animada, devem ter dado seus pulinhos por ali, afinal eram todos contemporâneos e ninguém passou pelos anos loucos sem deixar pelo menos uma digital em algum café da Cidade Luz àquela altura. (A bem da verdade, Hemingway não serve de referência neste caso porque não há boteco neste vasto mundo que não se vanglorie de ter servido uma ou várias doses a este americano desassossegado).
É mole? Não deve ter sido. Quem viu, viu, quem não viu que tente refazer os passos desta gente que teve o privilégio de desembarcar por aqui na mesma época e de desfrutar a egrégora de uma cidade realmente especial.

Este ano li dois livros referentes a Paris: Biografia de Uma Cidade, de Colin Jones, e Os Franceses, do brasileiro Ricardo Corrêa Coelho.
O primeiro faz jus ao título e traz a história da cidade desde seus primórdios, oferecendo, inclusive, a primeira descrição conhecida a seu respeito. Trata-se de uma carta do imperador romano Juliano sobre suas estadias na cidade em 358 e depois no inverno de 360-361:
'É a capital do povo dos parísios. É uma pequena ilha que repousa no rio; uma muralha a circunda completamente, e pontes de madeira dos dois lados nos conduzem a ela. O nível do rio raramente sobe ou desce; em geral é tão profundo no inverno como no verão; sua água é límpida para olhar e agradável para beber. Pois os residentes, por morarem numa ilha, precisam obter sua água principalmente do rio...'
O autor ainda alude a um comentário muito interessante do barão de Pöllnitz em - veja bem - 1.732: 'Paris já foi tão descrita, e tanto já se ouviu falar dela, que a maioria das pessoas sabe como ela é sem nunca a ter visto'. E o ótimo: 'Nunca vemos Paris pela primeira vez; sempre a vemos de novo'. São 560 páginas de muita informação.

O segundo, Os Franceses, é de leitura deliciosa e mais coloquial, abordando desde a sua formação, ao cotidiano e comportamento social dos franceses, ênfase nos parisienses, na parte mais agradável da leitura. Lá pelas tantas o autor revela um dos hábitos mais comentados (e mal interpretados) dos parisienses, sua relação com a higiene pessoal. Veja o que ele diz:
'Como o banho é para os franceses uma coisa muito especial, ele não pode ser diário. Afinal, encher uma banheira e mergulhar o corpo nela demanda tempo e dedicação, o que não pode ser feito todos os dias. O que os franceses fazem diariamente é a sua 'toilette', aquilo que os brasileiros chamariam de 'banho de gato'. Alguns tomam uma ducha mas essa não é a regra. Todos os dias, religiosamente, o francês típico faz a sua toilette matinal. Enche a pia de água quente e, com uma luva atoalhada, umedecida e ensaboada, higieniza o seu corpo de cima abaixo. Essas luvas, que em francês se chamam gants de toilette, são tão comuns e necessárias à higiene pessoal dos franceses quanto o sabonete e o papel higiênico. Por isso, quando se é hospedado na casa de um francês, recebe-se sempre junto com a toalha um gant de toilette. Oferecer a um hóspede uma toalha sem um gant de toilette seria uma descortesia e desatenção tão grandes quanto lhe dar um par de lençóis sem fronha'.

O livro é cheio destas informações urgentes e banais. E é sempre muito interessante nos depararmos com as diferenças entre os povos, concorda?! Não a toa se diz que viajar, em termos de desenvolvimento pessoal, é um dos maiores investimentos que podemos nos oferecer.

Falando aqui, de Paris e destas leituras, ficou impossível não citar o próprio Hemimgway em carta a um amigo, 1950: "Se você teve a sorte de viver em Paris, quando jovem, sua presença continuará a acompanhá-lo pelo resto da vida, onde quer que você esteja, porque Paris é uma festa móvel".

Au Revoir - ou, antes - À Bientôt!

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

(retro)VISOR/2009

Este ano li alguns livros interessantes e conheci uma escritora francesa da qual ainda não ouvira falar: Muriel Barbery. Li os seus dois livros publicados no Brasil: A Morte do Gourmet e A Elegância do Ouriço. Ambos se passam no mesmo edifício de luxo, em Paris, na Rue de Grenelle 7. O segundo é especialmente agradável e consistente. Narra a visão de mundo de duas moradoras do prédio: Paloma, talvez a única criança 'precoce' que não torra a paciência do interlocutor, e Renée, a concierge intelectualmente sofisticada e de requintes inimagináveis para a vizinhança burguesa.

Reflexões de Renée - sobre o ato de escrever:
'Quando as linhas se tornam seus próprios demiurgos, quando assisto, qual um milagroso ato inconsciente, ao nascimento no papel de frases que escapam à minha vontade e que, inscrevendo-se na folha apesar de mim, ensinam-me o que eu não sabia nem acreditava saber, gozo desse parto sem dor, dessa evidência não concertada, que consiste em seguir sem esforço nem certeza, com a felicidade dos espantos sinceros, uma pluma que me guia e me transporta.
Então, tenho acesso, na plena evidência e textura de mim mesma, a um esquecimento de mim que confina com o êxtase, e sinto a bem-aventurada quietude de uma consciência espectadora.'

Reflexões de Paloma:
'Aí vai, portanto, meu pensamento profundo do dia: é a primeira vez que encontro alguém que procura as pessoas e que vê além. Isso pode parecer trivial, mas acho, mesmo assim, que é profundo. Nunca vemos além de nossas certezas e, mais grave ainda, renunciamos ao encontro, apenas encontramos a nós mesmos sem nos reconhecer nesses espelhos permanentes. Se nos déssemos conta, se tomássemos consciência do fato de que sempre olhamos apenas para nós mesmos no outro, que estamos sozinhos no deserto, enlouqueceríamos. Quando minha mãe oferece petitsfours da casa Ladurée à sra de Broglie, conta a si mesma a história de sua vida e apenas mordisca seu próprio sabor; quando papai toma café e lê o jornal, contempla-se num espelho do gênero manual de autoconvencimento e, quando as pessoas passam diante da concierge, só vêem o vazio porque ali não se reconhecem.
De meu lado, suplico ao destino que me conceda a chance de ver além de mim mesma e encontrar alguém'.

E ainda Renée:
'A liberdade, a decisão, a vontade, tudo isso são quimeras. Acreditamos que podemos fazer mel sem partilhar o destino das abelhas; mas nós também não somos mais que pobres abelhas fadadas a cumprir sua tarefa e depois morrer'.

Espero, sinceramente, que Muriel Barbery não me prive demasiado de sua prosa. E que esteja de volta em 2010.

sábado, 12 de dezembro de 2009

DEVANEIO

No lusco-fusco entre sono e vigília, aqui, no quintal de casa, a chuva caindo terna neste sábado, dois minutos atrás, fui despertado por esta sentença me assoprada na orelha:
'Era como se eu não me houvesse. Havia um deus me existindo antes de mim? Havia um deus me havendo, me juntando partes, cerzindo a toalha que, sendo eu, quararia no varal, o sol pleno?! Ao vento, ao vento, ao vento... Deus do ceu, que medo de não me ser dono!'

Não sei o que fazer com isso. Portanto, deitei-o aqui como chegou a mim. Espero que seja poesia porque, do contrário, será loucura.

Cordiais!

DO PESSOA

Vem sentar-te comigo, Lidia, à beira do rio.
Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos
Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas.
(Enlacemos as mãos.)

Depois pensemos, crianças adultas, que a vida
Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa,
Vai para um mar muito longe, para ao pé do Fado,
Mais longe que os deuses.

Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena cansarmo-nos.
Quer gozemos, quer não gozemos, passamos como o rio.
Mais vale saber passar silenciosamente
E sem desassossegos grandes.

Sem amores, nem ódios, nem paixões que levantam a voz,
Nem invejas que dão movimento demais aos olhos,
Nem cuidados, porque se os tivesse o rio sempre correria,
E sempre iria ter ao mar.

Amemo-nos tranquilamente, pensando que podíamos,
Se quiséssimos, trocar beijos e abraços e carícias,
Mas que mais vale estarmos sentados ao pé um do outro
Ouvindo correr o rio e vendo-o.

Colhamos flores, pega tu nelas e deixa-as
No colo, e que o seu perfume suavize o momento -
Este momento em que sossegadamente não cremos em nada,
Pagãos inocentes da decadência.

Ao menos, se for sombra antes, lembra-te-ás de mim depois
Sem que a minha lembrança te arda ou te fira ou te mova,
Porque nunca enlaçamos as mãos, nem nos beijamos
Nem fomos mais do que crianças.

E se antes do que eu levares o óbolo ao barqueiro sombrio,
Eu nada terei que sofrer ao lembra-me de ti.
Ser-me-ás suave à memória lembrando-te assim - à beira-rio.
Pagã triste e com flores no regaço.

Fernando Pessoa em 1914

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

DA NOBREZA POPULAR


Na saída do show de Maria Bethânia, quinta-feira passada, minha mãe comentou: 'a impressão que dá é que nada está ali por acaso...'
Bingo! Talvez seja este um fio do multifacetado tecido que compõe esta personalidade. A despeito do repertório mais ou menos inspirado, da iluminação providencial ou dispensável, da direção segura ou claudicante, o que se vai fazer em um ambiente onde Maria Bethânia se apresenta, é vê-la. Observá-la, degustá-la, estar com ela. Testemunhar seu eloquente desempenho. Na vida.
A fresta por onde a perscrutamos é o palco. Ali estão suas verdades, suas crenças, inquietações, idelogias, seus temperos. Seu universo. Sim, esta artista é muito mais que uma grande cantora. Ela é um universo. Povoado por interiores, Clarice, Fernando, Sophya, Chico, Caetano, Canô, Santo Amaro, Brasil, Bahia, tecidos, santos, festas, rituais, incensos, cheiros, sabores, poesia. Muita poesia porque o irmão vaticinou lá atrás: 'ou feia ou bonita ninguém acredita na vida real' - mas, então, o paradoxo: algo mais real que a poesia?!

Vamos presenciar Bethânia existir, com nossa roupa mais confortável, bem passada e limpa. Nada de ostentação, porque Maria é substantivo. Os adjetivos deixamos na soleira do teatro. Ou na chapelaria, com as capas, os sobretudos e todos os invólucros. Vamos conferir a sua fruição de braços dados, todos. E nos amalgamos entre nós e nela. Gentes de todas as cores, sexos, idades, conduzidos por sua voz ora doce, ora selvagem, ora conclamando à alegria, outras convocando à luta. Dona absoluta de seu leme, é às profundezas mais soturnas que ela nos conduz, e àquelas alturas que nos eriçam pelos e revigoram a alma. É à criança que abafamos aqui dentro que Maria desperta. Por isso saimos descontraídos, loquazes, afetuosos, prontos para o abraço.

Os céticos atribuem esta magia à uma pretensa entidade que a artista receberia em cena. Apenas os céticos, que desconhecem a lida, o plantio e o trabalho diário. O olhar flutuante, a alma que queima, o espírito que se quer livre. E as mãos que manuseiam temperos para o alimento.

Cada dia mais limpa e concisa, Maria Bethânia permanece nobre. E ao mesmo tempo mais próxima de suas nascentes. Das cirandas, das violas, da chuva fina, do luarão no terreiro.
Toda ela lua, esta brasileira é a digna representante da nobreza popular.

A foto é de Miriam Jerônimo.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

DELPHOS

Maria Bethânia aporta hoje em São Paulo com seu novo espetáculo Amor, Festa, Devoção, dedicado à sua mãe, Canô, a quem atribui os ensinamentos do título.

Abaixo, um registro de nosso encontro na Salle Pleyel, em Paris, onde ela se apresentou em fevereiro deste ano.

Nos vemos à noite.


quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

DELICADAMENTE

Penso nos subterfugios da 'sensibilidade'. A quantas manifestações de egocentrismo e tirania tenho assistido, frequentemente maestradas por corações excessivamente delicados e sensíveis. Quanto sentimento de culpa disseminado em sua cidadela para que dele brotem as atitudes que manterão no trono os seus artífices. Em nome de um coração excessivamente delicado, arregimenta-se um exército de servilidade e toda a sorte de aparatos para que não se coloque em risco a integridade deste cristal - mesmo que para isto sejam ceifadas quaisquer manifestações de vida e individualidade que insistam em se manifestar em paralelo ao trono. A 'sensibilidade', para começar, é extremamente míope; pouco enxerga adiante de si.

Vejo pais extremados e zelosos mantendo em cabresto curto os beneficiários de seu amor abrasivo, impedindo com labios doces que ali se manifeste uma identidade; avós justificando com cabelos brancos conceitos indefensáveis para quem projetasse o olhar além de seu próprio umbigo. Namorados impedindo com um biquinho inocente que o outro se perceba uno. Carneiros pastando solenes.

Oscar Wilde escreveu em seu feérico Di Profundis:
'Um sentimental é aquele que simplesmente quer desfrutar do luxo de uma emoção sem ter de pagar por ele. O sentimentalismo é a colônia de ferias do cinismo'.

A tirania da sensibilidade anda de braços com o poder da vítima, do mais fraco. O poder da vítima, por sua vez, há séculos faz o mundo girar, mesmo que em circunferências diáfanas de bolhas de sabão.

Se você tem o que fazer, se respeita seus sonhos e procura seu próprio modo de viver, prepare-se para enfrentar os apelos por vezes velados - mas ensurdecedores - dos frágeis e sensíveis. Eles frequentemente se apresentam com a túnica multicolorida da amorosidade. E transmutam sua incorrigível dependência no que chamam, saboreando, de excessos. De zelo, de preocupação, de amor - desgastada palavra. Seus sentimentos se sobrepõem ao de todos. Falam em nome da solidariedade, da generosidade perdida, dos velhos tempos, entretanto sequer o escutam e, quando o fazem, é apenas pelo tempo suficiente para impedi-lo de perceber que não é ouvido.

Eles estão por toda parte. Às vezes brindando com o seu próprio vinho a estas invisíveis correntes.

Um abraço.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

DO MARCEL

Selecionei outro texto de A Procura Do Tempo Perdido. Veja:

'Julgar que uma criatura participa de uma existência desconhecida em que seu amor nos faria penetrar é, de tudo o que exige o amor para nascer, aquilo a que ele mais se prende e que o faz desdenhar do resto. Até as mulheres que pretendem só avaliar um homem pelo físico, veem nesse físico a emanação de uma vida especial. Eis porque elas amam os militares, os bombeiros; o uniforme as torna menos exigentes para o resto; julgam que beijam, através da couraça, um coração diferente, aventureiro e terno; e um jovem soberano, um príncipe herdeiro, para fazer as mais lisonjeiras conquistas nos países que visita, não tem necessidade de um perfil regular, que talvez fosse indispensável a um corretor da Bolsa'.

Procede?

domingo, 6 de dezembro de 2009

DA FUENTES

Ontem a Espanha aportou por aqui. Ana veio em casa e preparou sua paella, apenas a mais saborosa de que tenho notícia.
Até experimentar a que ela faz, eu tinha uma relação engraçada com este prato. Ele é feito de tudo o que gosto: camarão, lula, vôngole, frango, etc, entretanto a combinação toda jamais me deixou sem fôlego. Sempre digo que gosto mais da ideia de comer uma paella do que propriamente do ato. Uma experiência mais estética do que gustativa. Agora isso mudou e experimentei, finalmente, o prazer de saboreá-la.
Para completar, Ana é uma festa na cozinha. Sem nenhum histrionismo mas com imperturbável bom humor ela consegue transformar num programão o simples fato de picar cebola ou cortar em tiras um pimentão. E é criativa, a moça. Espirituosa. Assim, entre comentários divertidos, um gole de cerveja e outro, ela vai juntando os tijolos, rebocando, amassando, esculpindo, e esta amorosa alquimia resulta nesta belezura que fotografei para você.
Juntar uns amigos queridos é sempre um grande programa (estávamos em sete à volta da mesa). Ana Fuentes, chegada de pouco, é muito bem vinda.

Saúde!

sábado, 5 de dezembro de 2009

DA POESIA II

Garoa e friozinho em São Paulo. Matiz de cinza. Mexendo em meus 'alfarrábios' encontrei este poema do Rilke e resolvi trazê-lo até aqui.

A hora inclina-se e toca em mim

com claro bater metálico.

Os sentidos me tremem. Sinto: eu posso!

E colho o dia plástico.

Nada estava acabado antes de eu ver,

todo o devir aguardando em quietude.

Maduros meus olhares; a cada um,

como uma noiva, chega a coisa ansiada.

Nada é pequeno para mim: gosto de tudo

e tudo eu pinto sobre ouro com grandeza

e bem alto o levanto - sem saber de quem

vai a vida libertar.



Escrevendo aqui, este me remeteu Fernando Pessoa em:

' Para ser grande, sê inteiro.

Nada teu exagera ou exclui

Sê todo em cada coisa.

Põe quanto és, no mínimo que fazes.

Assim em cada lago a lua toda brilha

Porque alta vive'

Até logo mais.

DA INOCÊNCIA



É preciso apresentá-lo logo. Chama-se Bento e ocupa lugar de destaque em meu cotidiano. Quem tem ou já teve um cachorro conhece boa parte da historia: olhos curiosos e acesos, efusão ao retorno da mais ligeira ausência, eloquência no rabo, sensibilidade à flor do pelo e um companheirismo que desconhece limites. Bento tem tudo isso e lá as suas individualidades. Ele adora pessoas e, nestas, algumas partes em especial. Dedos, por exemplo. Principalmente dos pés. Bento adora mordiscar uns artelhos e não lhe importa se são os velhos de casa ou os da nova conhecida de sandália rasteira, as pernas cruzadas na cadeira ao lado. Sem machucar, isso não. Nada em seu redor o convoca à agressividade. Tampouco à desconfiança. Imagina-se indubitavelmente aceito e não se faz de rogado: usufrui sem constrangimento o que imagina ser seu. Essa característica - algumas saias justas à parte - me agrada imenso. Bento se sente aceito. E querido. Dia destes sussurrou em meu ouvido, já quase pegando no sono, os olhos fechados: 'eu amo todo o mundo'. Estreitei-o nos braços para confirmar a reciprocidade. Não o quero mesmo violento, menos ainda cão de guarda, segurança pessoal. Bento gosta de fazer contato, não de evitá-lo. E se o mundo conclama à desconfiança, não fomos nós que o inventamos. Bento não tem pés atrás, mas um selvagem coração à frente.

Saímos logo cedo para a caminhada. A chuva de ontem trouxe o caos à cidade mas, esta manhã, havia apenas gotas transparentes sobre as ramagens. Eis um prazer absoluto: deslizar o corpo pela folhagem, roçar o verde molhado. Uma delicadeza de elefante entre porcelanas. Talvez sinta aí o chamamento à suas raízes de caçador nos pântanos estrangeiros. Ele passeia ali a plumagem, me olha extasiado, o focinho úmido, e segue farejando à cata dos recados. E vai deixando os seus, ora se vai (há dias, inclusive, em que parece ter muito o que informar à sua galera). Aqui e ali, quando a felicidade não lhe cabe no corpo robusto, ele dá uns pinotes em minha direção e eu juro que o vejo sorrir.

Bento tem este nome porque sobreviveu a uma tempestade que dizimou quase todos os seus irmãos, ainda filhotes. Na chácara em Bragança Paulista, onde nasceu. Alvísseras, Bento! Na época pensei em chamá-lo Moisés, aquele das águas, mas fomos às urnas, outros nomes sugeridos. Este venceu. Um tempo passou.

Dois anos depois é que consigo compreender quem foi efetivamente abençoado.

DA ESTRADA

A propósito do que escrevi sobre os questionamentos a respeito de fazer o blog, veja onde fui deitar olhos, assim, de repente:

'Antes do compromisso há hesitação, a oportunidade de recuar, a ineficácia permanente.

Em todo ato de iniciativa (e de criação) há uma verdade elementar cujo desconhecimento destrói muitas ideias e planos esplêndidos.

No momento em que nos comprometemos de fato, a Providência também age. Ocorrem toda especie de coisas para nos ajudar, coisas que de outro modo nunca ocorreriam.

Toda uma cadeia de eventos emana da decisão, fazendo vir em nosso favor todo tipo de encontros, de incidentes e de apoio material imprevistos, que ninguem poderia sonhar que surgiria em seu caminho.

Começa tudo o que possas fazer, ou que sonhas poder fazer.

A ousadia traz em si o gênio, o poder e a magia'

(Goethe)

Não foi a isso que Jung chamou de sincronicidade?

OK, tá valendo. Volto logo.

DA POESIA

Este ano resolvi encarar a grande obra de PROUST: Em Busca Do Tempo Perdido. Ainda não concluí a viagem, mas o trajeto é fascinante. Onírico, às vezes; prolixo, adiante. Íntimo sempre. Trata-se de um menu degustação. Não cabe pressa, ansiedade, tampouco distração, sob pena de não se conseguir, sequer, chegar ao final do parágrafo, dobrar a esquina e seguir a tropa. A leitura com um correr de olhos, por exemplo, pode ser maçante porquê incompreensível. Ou aparentemente acéfala. Registrarei aqui algumas passagens que me agradaram em especial. Começo pela sublime revelação de sua memória afetiva, ligada à infância, degustando o chá e as madeleines servidos por sua tia Leonie: um clássico literário.

'E, como nesse divertimento japonês de mergulhar numa bacia de porcelana cheia d´água pedacinhos de papel até então indistintos e que, depois de molhados, se estiram, se delineiam, se colorem, se diferenciam, tornam-se flores, casas, personagens consistentes e reconhecíveis, assim agora todas as flores de nosso jardim e as do parque do Sr Swann, e as ninféias do Vivonne, e a boa gente da aldeia e suas pequenas moradias e a igreja e toda a Combray e seus arredores, tudo isso que toma forma e solidez, saiu, cidade e jardins, de minha taça de chá'.

Abraços.

DOS POR QUÊS

Nunca havia pensado efetivamente em criar um blog; nas poucas vezes em que cogitei, esbarrei mediatamente na questão da utilidade. Que teria eu a dizer assim, a ceu aberto, que pudesse justificar a empreitada?!
Sempre tive alguma espécie de diário. Íntimo e pessoal. Há um ano abri um artigo, aqui no computador, que veio ocupar o lugar destes diários a bico de pena, e ao qual intitulei Barrigão e Tanquinho. Nele registro minhas experiências gastronômicas cotidianas. Às vezes alimentando ao Barrigão - afeito a molhos, sorvetes, cervejas e churrascos - outras vezes lustrando Tanquinho - sempre ligado na contemporânea circunferência abdominal; um jovem saudável. É divertido e estimulante. Para mim, unicamente.
Há menos tempo criei outro artigo, Pessoa, onde faço anotações sobre assuntos que me interessam, geralmente ligados à arte, à literatura, assuntos acadêmicos, sugestões de leitura, palavras desconhecidas, coisas assim. Foi deste que emprestei o nome para este blog, uma vez decidido encará-lo.
Pessoa, em homenagem a meu escritor preferido, este português multifacetado. Ele é tantos que me faz pensar que há sempre um Pessoa para cada escaninho da alma. Ao mesmo tempo que esta palavra me sugere o que há de mais substantivo, em tempos sufocados por adjetivos ineptos. Pessoa. E o que é humano me concerne. O que é criatura me diz respeito.

Devaneei à procura da resposta para a existência deste blog. Sequer me aproximei. Deixemos como está, por enquanto. Quem sabe o tempo... Ocorre-me Lygia Fagundes Telles: não precisa compreender, basta gostar. E a multiplicidade do Pessoa (e das pessoas) me encanta sempre. Façamos girar o caleidoscópio.

Até logo mais!

Início

Dezembro, primavera quente em São Paulo. Inicio o PESSOA com um pequeno poema de minha própria lavra:

'Em todo céu uma lua.
Lua cheia, lobos soltos.
Minguante, desejos guardados,
Crescente, desejos expressos.
Nova, se imagina,
Se adivinha,
Deita fé.
Como se faz com o amor,
O prazer,
A promissão.
Com a gente mesmo'.

Nos encontramos por aqui, ok? forte abraço.