segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

NOVIDADE

VENHA PRO NOSSO NOVO ENDEREÇO:

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ATÉ JÁ........................

sábado, 23 de janeiro de 2010

FAZENDO AS MALAS

Prepare-se. Devemos mudar mais uma vez. Estou testando um outro endereço para o Pessoa. Parece que oferece mais recursos, e eu ainda gosto de fazer as malas. Pretendo desembarcar na próxima segunda, aniversário de nossa cidade.
Você será devidamente avisado. E convidado a chegar. Faremos a festa.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

SONHAR, SONHAMOS

‘Quando um espírito é inclinado ao sonho, não devemos mantê-lo afastado deste, não lhe devemos racionar. Enquanto o senhor desviar o espírito de seus sonhos, ele não os conhecerá, e será o senhor o joguete de mil aparências, porque não compreendeu a sua natureza. Se um pouco de sonho é perigoso, não é menos sonho que há de curá-lo, e sim mais sonho, todo o sonho. É preciso conhecer inteiramente os nossos sonhos para não mais sofrer com eles: há uma separação da vida e do sonho tão útil de fazer que me pergunto se não deveria ser praticada preventivamente, assim como pretendem certos cirurgiões que se extirpe o apêndice em todas as crianças, para evitar a possibilidade de uma futura apendicite’.

A Sombra Das Raparigas Em Flor. Marcel Proust.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

DA JANELA


A psicanálise, você sabe, foi criada por Freud, no início do século passado, quando então foram postulados conceitos que sobrevivem até hoje. Em nossos tempos, é com muita naturalidade que as pessoas se referem ao Inconsciente, aos atos falhos, complexo de Édipo e outras expressões que foram ganhando a boca do povo no decorrer destes anos.

Acho divertido fazer analogias entre os postulados deste conhecimento e algumas manifestações artísticas, especialmente as literárias.

Sabemos que o termo Inconsciente define uma instância obscura e pulsante, de onde emanam paixões, medos, sensações, que podem repercutir neste ou naquele comportamento. Pois, veja você, contemporâneo do médico austríaco, lá em Portugal, Fernando Pessoa escrevia:

'Para onde vai minha vida e quem a leva?
Por que faço eu sempre o que não queria?
Que destino contínuo se passa em mim na treva?
Que parte de mim, que eu desconheço, é que me guia?

O meu destino tem um sentido e tem um jeito,
A minha vida segue uma rota e uma escala,
Mas o consciente de mim é um esboço imperfeito
Daquilo que faço e sou: não me iguala'.

Podemos relacionar as inquietações do poeta, à existência deste universo obscuro e que se constitui no ‘destino contínuo que se passa em mim na treva’, correto? Creio que sim.

Freud em sua configuração do aparelho mental (EGO – ID – SUPEREGO) atribuiu ao ID o reservatório da energia psíquica onde se ‘localizam’ estas pulsões.
Muitas décadas depois, ao Sul do Equador – onde não há pecado - Chico Buarque indagou, com a perspicácia dos grandes artistas:

'O que será, que será?
Que vive nas idéias desses amantes
Que cantam os poetas mais delirantes
Que juram os profetas embriagados
Que está na romaria dos mutilados
Que está na fantasia dos infelizes
Que está no dia a dia das meretrizes
No plano dos bandidos dos desvalidos
Em todos os sentidos...

Será, que será?
O que não tem decência nem nunca terá
O que não tem censura nem nunca terá
O que não faz sentido...

O que será, que será?
Que todos os avisos não vão evitar
Por que todos os risos vão desafiar
Por que todos os sinos irão repicar
Por que todos os hinos irão consagrar
E todos os meninos vão desembestar
E todos os destinos irão se encontrar
E mesmo o Padre Eterno que nunca foi lá
Olhando aquele inferno vai abençoar
O que não tem governo nem nunca terá
O que não tem vergonha nem nunca terá
O que não tem juízo...'

Pois bem, Chico, é o vibrante ID que não tem governo nem nunca terá, que não tem censura nem nunca terá.

Colocando Jorge Amado neste sarau e lembrando que esta canção foi o tema principal do filme Dona Flor E Seus Dois Maridos, digamos que Vadinho era todo ID, e Teodoro, a encarnação possível do SUPEREGO. Coube à delicada e fogosa Flor articular estas duas potências em seu tabuleiro sacolejante: o EGO.

Se você tem algum interesse por psicanálise deve saber que o principal objetivo de sua prática é fazer aflorar a maior quantidade possível de material inconsciente para que possa ser ‘avaliado’ ali, à luz da consciência, e assim, proporcionar novas alternativas de comportamento ao ‘analisado’. As técnicas concernentes não são objeto destas reflexões, mas veja o que Clarice Lispector escreveu, referindo-se a seu ofício de escritora:

‘A caminhada é longa, é sofrida, mas é vivida. Não estou brincando com palavras. Encarno-me nas frases voluptuosas e ininteligíveis que se enovelam para além das palavras. Então escrever é o modo de quem tem a palavra como isca: a palavra pescando o que não é palavra. Quando essa não palavra – a entrelinha – morde a isca, alguma coisa se escreveu. Uma vez que se pescou a entrelinha, poder-se-ia com alívio jogar a palavra fora.’

Sou psicoterapeuta. ‘A palavra pescando o que não é palavra’: Não é outro o meu ofício. E, sim, minha vibrante Clarice, quando a entrelinha morde a isca, é o inconsciente quem se manifesta.

Por intuir, contudo, que a coisa não terminaria por aí, Clarice vai mais longe: ‘A não-palavra ao morder a isca, incorporou-a. O que salva então é escrever distraidamente...’
Escrever distraidamente poderia ser a ‘atenção flutuante’, modo como a psicanálise orienta o analista a ouvir seu paciente. Com a menor expectativa de que for capaz, um ouvido o menos viciado possível. Aliás, esta prerrogativa é de grande utilidade na vida cotidiana e, provavelmente, facilitaria muitos relacionamentos e abriria porta para a verdadeira intimidade, quando é isto o que se pretende. Tente, ao avaliar uma situação, conter suas tendências pessoais, preconceitos, pressupostos teóricos, sua ‘experiência’ e afins - Experimentar uma atenção flutuante - Duvidar um pouco de si mesmo pode ser, eventualmente, providencial. Trabalho para uma vida inteira, ninguém duvida, mas vale.

Fala-se hoje, até no cafezinho, de pessoas que apresentam distúrbio bipolar: aquelas que alternam períodos de hiperatividade, extremada alegria, imaginação desenfreada, com outros de profunda tristeza, apatia e desinteresse geral. Sol vibrante e noite preta.

- Nunca sei com que humor vou encontrá-la em casa – ouvi, de orelhada, enquanto passeava com Bento, um dia destes.
- Tua mulher é bipolar, cara – emendou o companheiro de caminhada. E seguiram adiante.

Jamais saberemos o que se passa naquela intimidade sugerida (vai ver ela é apenas temperamental), mas no começo do século passado, Michel Proust escreveu, em sua A Procura do Tempo Perdido, aludindo a uma recorrente variação de estado de espírito de seu protagonista:

‘E aquilo (a tristeza da noite) duraria até a manhã seguinte, quando os raios de sol apoiassem suas barras, como o jardineiro sua escada, contra o muro coberto de capuchinhas que subia até minha janela, e eu saltasse do leito para descer logo ao jardim sem já me lembrar de que a noite voltaria a trazer consigo a hora de separar-me de minha mãe. E assim, aprendi a distinguir estes estados que em mim sucedem durante certos períodos, e que dividem entre si cada um de meus dias, chegando cada qual para escorraçar o outro, com a pontualidade da febre; contíguos, mas tão alheios um ao outro, tão desprovidos de quaisquer meios de comunicação entre si, que, quando um deles domina, não posso mais compreender o que desejei, temi ou fiz no outro estado’.

Não é ilustrativo?

Paremos por aqui. Você também fará incontáveis associações.

São muitos os pigmentos de uma mesma cor, inúmeras as tramas de fio que resultam em um certo tecido. Tudo são filigranas que perscrutam a seiva da vida.
Janela na qual é sempre prazeroso debruçar.


Na fotografia, 'forro' de um restaurante na Ilha do Mosqueiro, no Pará.

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

O RIO QUE CORRE ESTRELAS

Foi quando descobri os seis ovos branquinhos, branquinhos, no meio do mato como numa manjedoura, que fui tomado por uma súbita alegria, o prazer absoluto, estupefato, que me vibrou o coração, me eriçou os pelos, me desnudou a alma. Eu me comprometi com aquela visão, aquele achado. Entrei em sintonia e aprendi naquele momento a guardar segredos.

Então, corri até a cozinha de chão batido e, com sofreguidão, macerei os meus medos no pilão de madeira de minha avó.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

PESSOA/ÁLVARO DE CAMPOS

Em alto e bom som:


Lisbon Revisited
(l923)

NÃO: Não quero nada.
Já disse que não quero nada.
Não me venham com conclusões!
A única conclusão é morrer.

Não me tragam estéticas!
Não me falem em moral!

Tirem-me daqui a metafísica!
Não me apregoem sistemas completos, não me enfileirem conquistas
Das ciências (das ciências, Deus meu, das ciências!) —
Das ciências, das artes, da civilização moderna!

Que mal fiz eu aos deuses todos?

Se têm a verdade, guardem-na!

Sou um técnico, mas tenho técnica só dentro da técnica.
Fora disso sou doido, com todo o direito a sê-lo.
Com todo o direito a sê-lo, ouviram?

Não me macem, por amor de Deus!

Queriam-me casado, fútil, quotidiano e tributável?
Queriam-me o contrário disto, o contrário de qualquer coisa?
Se eu fosse outra pessoa, fazia-lhes, a todos, a vontade.
Assim, como sou, tenham paciência!
Vão para o diabo sem mim,
Ou deixem-me ir sozinho para o diabo!
Para que havemos de ir juntos?

Não me peguem no braço!
Não gosto que me peguem no braço. Quero ser sozinho.
Já disse que sou sozinho!
Ah, que maçada quererem que eu seja da companhia!

Ó céu azul — o mesmo da minha infância —
Eterna verdade vazia e perfeita!
Ó macio Tejo ancestral e mudo,
Pequena verdade onde o céu se reflete!
Ó mágoa revisitada, Lisboa de outrora de hoje!
Nada me dais, nada me tirais, nada sois que eu me sinta.

Deixem-me em paz! Não tardo, que eu nunca tardo...
E enquanto tarda o Abismo e o Silêncio quero estar sozinho!

domingo, 17 de janeiro de 2010

PAIXÃO


Outra vez a paixão.

A recorrente graça, a justa inquietação diante do espelho, o lixo empurrado para debaixo do tapete e, da janela, o aceno irrecusável da montanha russa.
Três loopings no escuro - só pra começar – acionando cometas em um fake céu de estrelas. Cadentes e ensandecidas. E no ponta-cabeça, braços estirados no vazio. Sem gritar. Porque é grave, gutural. Grave, não se engane. A paixão é aguda em sua dinâmica, mas ruge em contralto no peito. Digamos que você a credencia com a seriedade de um Pavarotti, embora a interprete com a destemperança e os trinados de uma Dalva de Oliveira.

A paixão traz na bagagem tantas promessas e uma tamanha vitalidade, que qualquer pequena ameaça de fenecimento promove uma imediata cianose na alma. Seguida de uma brutal falta de ar que, desta vez, sim, te levará a nocaute. Por isso tantos telefonemas, tantos emails, tantos torpedos e chamados, e as esperas, as esperas, as esperas. Pelo telefone, os emails, a campainha, as chamadas, os sinais de fogo. A confirmação. É sobrevivência, esqueceu?

Uma sentença sempre pronta para ser jorrada boca afora: - Abram estas janelas que eu preciso RESPIRAR!

Que não é dita, porque paixão é para ser vivida na poluição, os olhos ardendo, a boca seca. Ou não deveria, mas são poucas as que resistem a uma boa lufada de ar. Ar livre é perigosíssimo porque paixão tem pavor de espaços abertos.

Esta louca, além da fumaça, solicita óculos escuros, descongestionante nasal, cortinas cerradas, mudança de repertório no Ipod e uma miopia cavalar, de aparecimento súbito. Mudança de foco. Nada muito diferente de neon, taquicardia, adrenalina e Disney World terá qualquer importância. E vamos combinar que um tempo naquela vidinha medíocre, naqueles amigos sempre às voltas com a rotina de suas relações padronizadas, há muito se fazia necessário. O lema permanecerá aquela bela frase com a qual você fuzilou a amiga que sempre desvalorizou estes sentimentos arrojados: - O amor entorpece os acomodados; a paixão mobiliza os incomodados. Tá?

Será assim que iremos rasgar o manto diáfano da mediocridade.

E segue, apertando a bolsinha na axila, o sapato de salto, lenço vermelho no pescoço e a saia muito justa lascada atrás.

É quase certo que paixão é para ser vivenciada de copo na mão. Será com ele, alguns comprimidos de diazepam, duas ou três canções exasperantes e aquela única amiga que sobreviveu a seu bombardeio (‘afinal, ele está ou não está interessado em mim?’) que você enfrentará este mundo hostil. Sim, porque passada a projeção geral de início, ninguém, em juízo de razão, terá muita paciência de participar deste tour-de-force a seu lado. (Você já deve ter percebido que as pessoas não são propriamente um primor de sensibilidade, correto?). E mesmo esta companheira sobrevivente correrá serio risco de evaporar quando você finalmente abrir seu coração: ‘afinal, ele está me amando, ou não está?’

Diante de tamanha vulnerabilidade, você se sentirá flagrada pelas garras da lei. Todas as suas (antigas) qualificações, sob júdice - Uma farsa -. E o seu pior, a sua sombra, correndo solta sem segredo de justiça. A um passo do desmascaro. Que em outros tempos não seria grande coisa, afinal você também aprendeu muito cedo que a língua do povo é contumaz traiçoeira, mas, agora, qualquer avaliação de sua frágil pessoa passa pelo cajado deste juiz implacável, e atender a suas exigências vai se tornando uma gincana cada vez mais exaustiva.

Mas...but, sempre um but...um belo dia você sente uma tremenda saudade daquele pijaminha esgarçado que foi parar no fundo da gaveta desde que as langeries pretas e vermelhas roubaram a cena. E vai se lembrar que aprendeu a amar com a Bethânia (‘D-R-A-M-A, e ao fim de cada ato limpo num pano de prato as mãos sujas do sangue das canções’), mas que, talvez, seja hora de recorrer ao sempre jovem Nelson Mota: ‘A vida vem em ondas como o mar...’ e dar uma surfada por aí.

Como Santa Rita de Cássia realmente não dorme no ponto, você consegue o feito inimaginável de desmarcar o jantar daquela noite. E, pior, sem inventar nenhuma desculpa espetacular. Vai direto ao ponto: - Aluguei 'As Delícias De Viver Só', e tô a fim de assistir sozinha. - Só hoje, viu? – Ronrona, ao final, quase por vício.

Começou a se montar a rebelião. E o filme daquela paixão lhe vem à cabeça, de trás para frente e, vai saber porquê, detalhes da cenografia antes desapercebidos vêm à tona, diálogos negligenciados revelam a que vieram, e figurantes inexpressivos começam a ameaçar seriamente os atores principais. Tudo levará a crer que você não era tão somente a primeira atriz, mas a própria autora deste vibrante roteiro.

Será, enfim, evocando detalhes e palavras, que você perceberá, por exemplo, que o ‘mea culpa’ da noite passada era absurdamente equivocado, e que um bom vasodilatador peniano a teria poupado de acrobacias perfeitamente dispensáveis.

- Eu não acredito! – Será capaz de berrar, já em fúria.

Mas, então, o doce pássaro da liberdade estará cantando em seu ombro, e alguma tranqüilidade vai chegando, ternamente. Pega caneta e papel, e escreve, para não esquecer: Este medo, lobo voraz, devora vacas leiteiras no curral. A coragem é um carneiro pastando, comendo capim, tomando forma, ganhando peso.

Poderá, então, desligar a TV, acarinhar o travesseiro vazio, se alongar na cama, e hibernar pelos próximos dez anos quando, em outro belo dia de sol, vai abrir a janela e perceber que o parque de diversões retornou à sua rua, e ela, a montanha-russa, volta a acenar uma outra vez.