quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

RUSSELL

Prólogo da Autobiografia de Bertrand Russell (1892/1970):

PARA QUE VIVI

Três paixões, simples mas avassaladoras, me dominaram a vida: o desejo de amor, a busca do saber e a insuportável piedade pelo sofrimento humano. Três paixões, como vendavais, me lançaram aqui e ali, em rumo desordenado, sobre as profundezas de um mar de angústia beirando o desespero.

Busquei o amor, primeiro, por trazer consigo o êxtase – êxtase tão imenso que, muitas vezes, teria de bom grado sacrificado todo o resto de meus dias por algumas horas de felicidade. Busquei-o depois para alívio da solidão – a terrível solidão na qual uma trêmula consciência vê, dos confins do mundo, o frio, imponderável e inerme abismo. Busquei-o, enfim, porque, na união do amor vislumbrei, em mística miniatura, um esboçar da visão do paraíso imaginada por santos e poetas. Foi o que busquei e, embora talvez pareça bom demais para um ser humano, foi – finalmente – o que encontrei.

Com idêntica paixão, busquei o saber. Quis entender os corações dos homens. Quis saber por que brilham as estrelas. E tentei captar o significado da potência pitagórica na qual o número sobrepuja o fluxo. Disso, um pouco, mas não muito, consegui. Amor e saber, no que me foi possível, elevaram-me aos céus. Mas, sempre, tristeza e pena traziam-me de volta à terra. Ecos dos gritos de dor reverberam em meu coração. Crianças famintas, vítimas torturadas pelo opressor, velhos indefesos – carga odiada pelos filhos – e todo um mundo de solidão, pobreza e dor, caricatura do que deveria ser a vida humana. Desejo aliviar o mal mas não consigo, e também eu sofro. Foi essa minha vida.

3 comentários:

Dom disse...

A insuportável piedade pelo sofrimento humano te fez médico.
A busca do saber te transformou em terapêuta.
O desejo de amor te fez poeta.
O conjunto formatou o ser humano da mais alta qualidade afetiva disponível nessa encarnação.

Ocorre que quando me explicaste o conceito do Gikovate contido no "Tratado sobre o Amor" alcançei o saudável entendimento de que só nos restava a resignação diante a fatos da vida que nos ferem pela nossa absoluta impotência, simplesmente pq somos criatura e não o criador. Enfim pude apascentar meu coração... espero que teu próprio remédio possa te proporcionar algum merecido alívio.

Unknown disse...

Vou correndo procurar a autobiografia mencionada!

Ricardo disse...

Só pode ser possível enfrentar esta vertigem desconsiderando o numero e dando vazão ao tal fluxo.
No fim tudo deve estar certo, penso eu.