terça-feira, 5 de janeiro de 2010

ESTILO




Quando cheguei a São Paulo, muitos anos atrás, fui morar em casa de uma família amiga dos meus pais, de priscas eras. Não poderia ter sido mais feliz. Uma casa animada, cheia de música, de comida boa, de surpresas, de afeto. Tudo orquestrado pela dona da casa, uma das criaturas mais envolventes que já tive oportunidade de conhecer. Bonita, divertida, temperamental, desbocada, seriíssima, solidária, a 'Moreninha da Vergueiro' promove um daqueles raros encontros que se tornam indeléveis à passagem do tempo. Deixa marcas porque, anacrônica nestes tempos globalizados, ela tem estilo. Personalidade.

Há algum tempo não nos encontrávamos. Quando meus pais estiveram aqui no final do ano passado, ela nos ofereceu um almoço em seu apartamento (a casa onde moramos na Vergueiro não existe mais, virou estação do Metrô). Hoje ela mora em um cenário que, de tão original, fluorescente e personalizado, deveria ser aberto à visitação pública.
- 'Pelo menos aos domingos, Moreninha, das quatro às seis, naquele horário tosco' - brinquei com ela enquanto degustava o frango no açafrão, apenas uma de suas especialidades. Rimos muito imaginando a cena toda: as pessoas chegando, dando tratos à bola para saber se estão diante de um brechó, uma produção da Casa Cor, um Museu de Arte Sacra, de Arte Profana, ou vieram parar na gravação de um filme do Almodovar. Um Fellini, talvez.
Nada disso. As pessoas entrariam em estado de graça. Pela explosão de cores, o lúdico dos detalhes, pela fidelidade a si mesma, pela audácia infantil e, então, a beleza.

O cenário onde esta senhora transita enquanto lá embaixo a violência, a corrupção, a injustiça pensam fazer a festa, é onde a festa efetivamente acontece. Todos os dias. Ao seu comando.

Poderia postar uma foto sua para embelezar esta página - ela me autorizou - mas optei por trazer alguns fragmentos de sua casa, a fotografia mais verdadeira de sua alma multifacetada.

4 comentários:

Dom disse...
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Anônimo disse...

Ah, que delícia! hj em dia está tudo tão uniformizado que ter estilo virou artigo de luxo.
A beleza é padronizada, o bom gosto obedece a leis autoritarias, as cantoras cantam todas no mesmo tom, a dieta, já viram o que virou? enfim, .onde foi parar a diversidade??? pelo visto na casa desta senhora, saravá!

Unknown disse...

San, Ismênia é um ícone. Dos autênticos. Do texto e das histórias, sempre tão hilariantes, quanto pungentes, na sua autenticidade absoluta. Sempre me encantaram e continuam me encantando. Que bom reencontrá-la aqui. Não posso deixar de registrar, Ismênia me lembra melancia, sumarenta, vermelha, doce e que adoro...

Maria helena disse...

Ampliei as fotos e me esbaldei com os detalhes. Sem querer filosofar, percebi um minimalismo impensável em uma visão geral.
Imensos detalhes.