Encontrei esta entrevista do Mario Quintana - que, na verdade, nunca aconteceu - e achei interessante porque reflete bem sua visão lúdica da vida. Aliás, a perspicácia, irreverência e capacidade de síntese deste poeta me entusiasmam. Trouxe aqui.
AUTO RETRATO: EU SOU MARIO QUINTANA
Carlos André Moreira
Jornal Zero Hora, Porto Alegre/RS - Caderno Donna, em 30-07-2006.
Exatamente há cem anos, nascia em Alegrete o poeta Mario de Miranda Quintana, cujo centenário motivou este ano exposições, peças, especiais de TV e, claro, a reedição integral de sua obra – da qual foram retirados os trechos de poemas e crônicas que formam a entrevista imaginária abaixo.
Qual a sua lembrança de infância mais remota?
Fui um menino por trás de uma vidraça – um menino de aquário. Via o mundo passar, como numa tela cinematográfica, mas que repetia sempre as mesmas cenas, as mesmas personagens.
Onde você passou as suas férias inesquecíveis?
O que estraga as viagens, agora, é o seu rápido destino: de repente já estás em Pequim... Benditos, mil vezes benditos aqueles carrosséis que ensinaram aos meninos de meu tempo a pura alegria de viajar!
Qual a sua idéia de um domingo perfeito?
No céu é sempre domingo. E a gente não tem outra coisa a fazer senão ouvir os chatos.
O que você faz para espantar a tristeza?
O único problema da solidão consiste em como conservá-la.
Que som acalma você?
Quando os sapatos ringem...
Qual a palavra mais bonita da língua portuguesa?
Clair de lune, chiaro de luna, claro de luna... jamais os franceses, os italianos e os espanhóis saberão mesmo o que seja o luar, que nós bebemos de um trago numa palavra só.
Que livro você mais cita?
Livro bom é aquele de que às vezes interrompemos a leitura pra seguir – até onde? – uma entrelinha... Leitura interrompida? Não. Esta é a verdadeira leitura continuada.
Que filme você sempre quer rever?
...devia ser proibido fazer desenhos animados depois de Walt Dysney.
Um gosto inusitado.
O que eu mais adoro, depois da precisão, são os expletivos.
Um hábito de que você não abre mão.
Alarmar senhoras gordas é um dos maiores encantos desta e da outra vida.
Um hábito de que você quer se livrar.
O que eles chamam de nossos defeitos é o que temos de diferente deles. Cultivemo-los, pois, com o maior dos carinhos – esses nossos benditos defeitos.
Um elogio inesquecível.
Poeta de amplo espectro, como se diz nas bulas farmacêuticas. Assim se expressou um dia a respeito deste escriba o seu cúmplice em poesia e colendo crítico Guilhermino César. O que bastou para que alguém me interpelasse: “Como é? Ele está te chamando de fantasma?”
Em que situação você perde a elegância?
O mais irritante de nos transformarem um dia em estátua é que a gente não pode coçar-se.
Em que outra profissão consegue se imaginar?
...eu queria ser um pajem medieval... Mas isso não é nada. Pois hoje eu queria ser uma coisa mais louca: eu queria ser eu mesmo!
Eu sou...
Eu não sou eu, sou o momento: passo.
sábado, 16 de janeiro de 2010
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3 comentários:
Quintana é um refresco, um picolé. Diria Graciliano: um descanso na loucura.
Muito se fala em licença poética mas pouco se tem lembrado da gentileza poética de Mario Quintana.
Um grande poeta, sem dúvida um dos melhores, pq transformava o banal e o cotidiano em poesia.
Gosto cada vez mais de Quintana, é como se fosse de casa.
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