sábado, 16 de janeiro de 2010

LEITURA DE SÁBADO

Encontrei esta entrevista do Mario Quintana - que, na verdade, nunca aconteceu - e achei interessante porque reflete bem sua visão lúdica da vida. Aliás, a perspicácia, irreverência e capacidade de síntese deste poeta me entusiasmam. Trouxe aqui.

AUTO RETRATO: EU SOU MARIO QUINTANA

Carlos André Moreira
Jornal Zero Hora, Porto Alegre/RS - Caderno Donna, em 30-07-2006.

Exatamente há cem anos, nascia em Alegrete o poeta Mario de Miranda Quintana, cujo centenário motivou este ano exposições, peças, especiais de TV e, claro, a reedição integral de sua obra – da qual foram retirados os trechos de poemas e crônicas que formam a entrevista imaginária abaixo.

Qual a sua lembrança de infância mais remota?
Fui um menino por trás de uma vidraça – um menino de aquário. Via o mundo passar, como numa tela cinematográfica, mas que repetia sempre as mesmas cenas, as mesmas personagens.

Onde você passou as suas férias inesquecíveis?
O que estraga as viagens, agora, é o seu rápido destino: de repente já estás em Pequim... Benditos, mil vezes benditos aqueles carrosséis que ensinaram aos meninos de meu tempo a pura alegria de viajar!

Qual a sua idéia de um domingo perfeito?
No céu é sempre domingo. E a gente não tem outra coisa a fazer senão ouvir os chatos.

O que você faz para espantar a tristeza?
O único problema da solidão consiste em como conservá-la.

Que som acalma você?
Quando os sapatos ringem...

Qual a palavra mais bonita da língua portuguesa?
Clair de lune, chiaro de luna, claro de luna... jamais os franceses, os italianos e os espanhóis saberão mesmo o que seja o luar, que nós bebemos de um trago numa palavra só.

Que livro você mais cita?
Livro bom é aquele de que às vezes interrompemos a leitura pra seguir – até onde? – uma entrelinha... Leitura interrompida? Não. Esta é a verdadeira leitura continuada.

Que filme você sempre quer rever?
...devia ser proibido fazer desenhos animados depois de Walt Dysney.

Um gosto inusitado.
O que eu mais adoro, depois da precisão, são os expletivos.

Um hábito de que você não abre mão.
Alarmar senhoras gordas é um dos maiores encantos desta e da outra vida.

Um hábito de que você quer se livrar.
O que eles chamam de nossos defeitos é o que temos de diferente deles. Cultivemo-los, pois, com o maior dos carinhos – esses nossos benditos defeitos.

Um elogio inesquecível.
Poeta de amplo espectro, como se diz nas bulas farmacêuticas. Assim se expressou um dia a respeito deste escriba o seu cúmplice em poesia e colendo crítico Guilhermino César. O que bastou para que alguém me interpelasse: “Como é? Ele está te chamando de fantasma?”

Em que situação você perde a elegância?
O mais irritante de nos transformarem um dia em estátua é que a gente não pode coçar-se.

Em que outra profissão consegue se imaginar?
...eu queria ser um pajem medieval... Mas isso não é nada. Pois hoje eu queria ser uma coisa mais louca: eu queria ser eu mesmo!

Eu sou...
Eu não sou eu, sou o momento: passo.

3 comentários:

Maria Helena disse...

Quintana é um refresco, um picolé. Diria Graciliano: um descanso na loucura.

Anônimo disse...

Muito se fala em licença poética mas pouco se tem lembrado da gentileza poética de Mario Quintana.
Um grande poeta, sem dúvida um dos melhores, pq transformava o banal e o cotidiano em poesia.

Unknown disse...

Gosto cada vez mais de Quintana, é como se fosse de casa.