sábado, 2 de janeiro de 2010

BARRIGÃO & TANQUINHO


O ano novo chegou há mais de vinte e quatro horas mas Barrigão ainda não parou de aplaudir. É desde a véspera que ele se refastela. Encarou de tudo: das gorduras trans às gorduras teens, sem esquecer daquelas delícias de índice glicêmico altamente elevado. Acedeu à Tanquinho – acanhado num canto – apenas no que toca aos flavonóides das uvas; e ainda assim fermentadas em álcool, um Cabernet Sauvignon da melhor qualidade. Tema, aliás, que o mancebo encarou com galhardia: passou a língua num destilado, petiscou um saquê oriental, prestigiou o produto nacional com uma talagada da cachaça mineira, mas quase se afogou mesmo foi na cevada que gelava desde a semana anterior. – Olha os triglicerídios! - Tanquinho tentou acudir. Em vão. 'Não se deve levar a serio uma criatura que se dá ao desfrute de contar calorias' - uma das máximas de Barrigão.

A juíza amiga comentou, jocosa: - Humm, Barrigão hoje tá mais folgado do que paletó lascado atrás...

Tanquinho voltou à carga e apontou a bela bandeja de frutas no centro da mesa, os sanduíches naturais ao canto, o licopeno das maçãs de braços abertos, a jarra de água mineral – Entre um gole e outro de cerveja, Barrí - Mas Barrigão não estava para brincadeira e não admitiu intervenção em seu latifúndio. Pegou pelo talo a cereja mais viçosa da bandeja e enfiou goela abaixo de Tanquinho, comentando, sôfrego: - vai te divertindo com essa aí que daqui a pouco eu volto com mais antioxidantes.

Não pode faltar lentilha em ceia de fim de ano – é a sabedoria popular - pois o danado, já mal intencionado de véspera, pediu à Vera que não esquecesse do bacon torrado e das rodelas caprichadas de lingüiça calabresa, um paio, talvez.
- Tanquinho que espere a volta das férias para encarar a leguminosa naquele tempero esquálido à cebola e alho, que hoje não é dia para ninharia.

Do peixe grelhado manteve distância, de olho no pernil fumegante no forno. “EU DETESTO ÔMEGA 3!” – bradou para si mesmo e seguiu em frente.
Dos queijos, só os amarelos - o mundo inteiro sabe que são os mais gostosos; os únicos, inclusive. Patê? De fígado de ganso, evidente; nunca mais pastinha de atum, ervas finas, e ao diabo aquele mexidinho de tofu com azeite, argh! Mesmo destino para a torrada integral. – Vão se divertir na suíte do capeta, vocês dois. E não esqueçam de levar o iogurte natural, o blaquet de peru, a margarina light, a linhaça e a quinua, e que os filés de peixe e de frango se consumam juntos, de mãos dadas, nas labaredas do inferno. – Exasperou-se de vez.

Lá pelas tantas, encontrei Barrigão, todo suado, tirando do forno baguetes em fatias grossas, recobertas por gorgonzola, presunto gordo e um parmesão para gratinar. Regou duas delas no azeite extravirgem e ofereceu à Tanquinho – Ômega 3, Tan, do melhor.
Sem compreender o deboche, nosso saradinho comentou, inocente: - Não quer um suquinho de clorofila, Barrí?
Barri lhe deu o calado como resposta e entornou outro copo de cerveja sem espuma. Saiu ventando.

Mais tarde, completamente à vontade com sua revolução-de-fim-de-ano, Barrigão ainda forneceu sua secretíssima receita de lombo recheado, só para provar que – ao contrário do que muitos pensam - este corte do suíno não deve ser desconsiderado. Anote aí: Depois de abrir o lombo tipo uma manta, temperar com alho, sal e pimenta do reino. Cominho, para quem gosta; noz moscada, para quem pode. Eu, particularmente, gosto de dar uma lambuzada com uma mistura de azeite, cachaça e molho de ostra. Fatiar uma couve (umas duas folhas tá de bom tamanho), picar um alho e passá-los rapidamente pela frigideira com azeite – com banha de porco fica mais saboroso. Reserve – adoro receita que pede ‘reserve’.
Vamos ao recheio: Retire do plástico uma boa quantidade de lingüiça e macere com a mão. Comece o recheio com ela, depois traga a couve (ok, umas três folhinhas, vai) e o alho, e termine o serviço com fatias de queijo coalho. Muito queijo coalho. Colocar alguns alhos inteiros incrustados no lombo – esta será a parte de Tanquinho; além da couve, naturalmente. Enrolar e costurar como um rocambole. Pré-aquecer o forno e deixar o lombo em papel alumínio a 180 graus por 1 hora e ir avaliando. Retirar o papel para dourar. É de lamber os beiços. Ah, capriche no coalho. Do contrário ele será sugado pelo cozimento; não corra este risco, pelo amor da santa.
Deve ser consumido de preferência em um domingo de sol, a rede armada a dois passos da mesa.

O tempo não para. É sabido que quando o diabo não nos quer mais, a gente se volta para Deus. Nesta manhã, com a desfaçatez do despudor, foi a Tanquinho que Barrigão pediu a jarra de água de coco, ali, na cabeceira. – Geladinha, Tan - ainda enfatizou, acrescentando com humildade: - E se quiser me oferecer novamente aquele delicioso suco de clorofila...aceito, sim senhor!

Tanquinho já se preparava para comemorar, quando se lembrou que o dia apenas amanhece, a geladeira continua gorda, e afinal – maldito Vinicius – hoje ainda é sábado.

18 comentários:

luis disse...

BARRI, definitivamente: vc é meu heroi!

Esqueça por enquanto o Tanquinho e só volte a procurá-lo na segunda-feira. E olhe lá...

Latifa disse...

Namastê: "O Barrigão que habita em mim saúda o Barrigão que habita em vc"

E eu quero é mais..............

Maria helena disse...

Uma voz dissonante se alevanta.
Tanquinho, amei sua chaleira. Deixe Barrigão explodir à vontade e me convide para um bom england tea. Vou adorar.

Unknown disse...

Ano Novo perfeito!!! Amigos, amor, aromas, arte, amantes, alimentos (com mtas calorias, como devem ser, pq todos sabem q são as próprias q dão sabor). Tofuzinho grelhado com shoyu, q acinte! Isso lá e jeito de começar 2010?! Quero mais é pernil do Estadão, bacalhau rico nas suas diversas e ricas apresentações, lentilha lentamente cozida nas carnes gordurosas de porco, chamapagne, saquê com uvas (mto, não sou frugal, nunca fui, desse mal não padeço!). Vim à vida como quem não vai voltar. Barrigão e Tanquinho, o MÁXIMO!!! Bento, com sua ternura incontida, amigo inocente, cão de todas as horas...
Libações, performances, amores, vida e poesia, não necesariamente nessa ordem, mas juntas, entrelaçadas pelo fio que nos une, tão rico e tão disponível a todos e a cada um de nós.

"Em outro mundo, onde a vontade é lei,
Livremente escolhi aquela vida
Com que primeiro neste mundo entrei.
Livre, a ela eu fiquei preso e eu a paguei
Com o preço das vidas subsequentes
De que ela é a causa, o deus; e esses entes,
Por ser quem fui, serão o que serei.

Porque pesa em meu corpo e minha mente
Esta miséria de sofrer? Não foi Minha a culpa e a razão do que me dói.

Não tenho hoje memória, neste sonho
Que sou de mim, de quanto quis ser eu.
Nada de nada surge do medonho
Abismo de quem sou eu em Deus, do meu
Ser anterior a mim, a me dizer
Quem sou, esse que fui quando no céu,
Ou o que chamam céu, pude querer.

Sou entre mim e mim o intervalo -
Eu, o que uso esta forma definida
De onde para outra ulterior resvalo.
Em outro mundo"
Fernando Pessoa

2010 rules!!!

silvia disse...

"Vim a vida como quem não vai voltar". Xará, depois dessa, precisaria mais? Vc é fofa, é esperta, e está absolutamente correta: você não é eu. Não sou vc. E nós não somos uma a outra. Ai que meda...
Vamos adiante???

Anônimo disse...

O mais bacana que acho deste teu blog é que dá vontade da gente escrever, brincar, se expor.
Gosto disso.

Unknown disse...

Será q não somos a mesma PESSOA?!
Mistério sempre há de pintar por aí...
E tem sempre a questão do doppellganger (não sei se é assim q escreve).
Talvez apenas vivamos em universos paralelos.
Meda não! Uma certa excitação, é o q me ocorre!

Anônimo disse...

Quem não contiver um Barrigão ensandecido q atire o primeiro provolone.

lucca disse...

Muito bom!

Dando uma de Barrichello: Feliz Ano Novo pra todos.

Santana filho disse...

Silvinha, faço minhas as suas palavras a respeito do Reveion.

O texto q vc escreveu, de quem é? seu?

bjs

Unknown disse...

San, o texto não é meu. Não tenho, como vc, talento poético (bem o queria...). Sou escrevinhadora diletante. A poesia é do nosso amado PESSOA, está em "Obras Inéditas - 1930/1935", pus o crédito no post. Escolhi porque sou eu, embora nunca teria achados as palavras sem ele...

Santana filho disse...

Silvia querida, dois mea culpas:

1. não conhecia o poema do meu poeta preferido - sequer considerei o estilo

2. não vi seu (dele) nome em sua postagem

bj duplo

Unknown disse...

San, aqui vai mais uma, curtinha, para deleite, a propósito do ontem conversado:

"Lembro-me ou não? Ou sonhei?
Flui como um rio o que sinto.
Sou já quem nunca serei
Na certeza em que me minto.

O tédio de horas incertas
Pesa no meu coração.
Paro ante portas abertas
Sem escolha nem decisão"
PESSOA

terê disse...

Santana, me diverti à beça, mas me conta aí que vem a ser gordura 'teen'? Gordura trans conheço, mas..e a teen???

Anônimo disse...

Ah, que beleza...acho melhor ficar em silencio...

Santana filho disse...

Terê, acho q 'gordura teen' é aquela consumida pela meninada, tipo catchup, maionese, etc... sei lá... inventei na hora, apenas para manter o ritmo da frase 'da gordura trans à gordura teen...'

Mas eu acho que há pessoas q não amadurecem em termos de alimentação. Chegam aos 90 consumindo basicamente as 'gorduras teen'. Bom...isso daria uma postagem, não???

Abraço.

Marcio F. disse...

A parte de Vinicius ea melhor...rs

Santana filho disse...

Marcio F, não tenha dúvida...rs