sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

À PALAVRA

Escrevo de forma diletante.
E por quê o faço? - você me perguntou outro dia. Tentarei ser breve.

Quando escrevo, sou levado pelo apreço à palavra e pela necessidade imperativa de expressar um sentimento, uma impressão, lavar uma roupa que se sujou, cuspir uma espinha que não desceu, reviver uma experiência, elaborá-la ou, simplesmente, deitar-lhe cores. Um pincel, a palavra.

Um farol. E com que frequência ilumina o que eu sequer sabia habitar dentro de mim. Isto é magia. Escrever é alquímico. Há um jogo de luz e sombra que fascina. Quantas vezes vou usar a palavra para me esconder - e a traio com outra mais conveniente - mas, então, a verdadeira, salto de tigre, se atira no papel e me desmascara, zombeteira. Revelando-me a mim.
Resta-me estender-lhe as mãos.

Entristece-me o descaso com que as vejo tratadas por aí. O detrator, pobre coitado, distante de saber que é a ele que avilta. E empobrece. Palavras são como neurônios, quanto mais, melhor (nem precisam ser ditas, mas devem existir). É por não conhecê-las e, portanto, não perceber a diferença que há entre apatia, tédio, preguiça, melancolia, luto e tristeza, que hoje tudo virou depressão.

As palavras são misteriosas, e eu as reverencio com zelo de artesão. São esfinges, muitas vezes. É mister decifrá-las. Lustrá-las bem. Então as vigio. E me ausento para, de longe, atrás das cortinas, perscrutá-las, e olhar devagar para elas. Sem formalidade, puro encantamento. É imprescindível deixá-las livres. Escravizá-las é, como para os humanos, o pior castigo.

Mas, atenção, cuidado com seu canto de sereia. Palavras não são santas e, ao perceber nosso encantamento, nos tentam confundir com sua beleza. Tramam entre si, e vêm à passarela as mais sedutoras, sugerindo um parágrafo inteiro de idílio. Quem resistiria a um bacanal com cântaro, lápide, crepúsculo, sapoti, solitude?! A-ca-lan-to. Força, meu caro! Há que se resistir ao contra-senso de alinhar estas beldades, em detrimento do laboro para a qual as convocamos.

É necessário domá-las. Domar é diferente de domesticar. Sem rudeza, por favor. Elas são belas, portanto frágeis. Que faço, então? As recolho na palma da mão, as acaricio, tiro-lhes um cisco do olho e só as devolvo ao papel quando se acende a lamparina – palavra mais bela.

Não precisamos de mapa - inclusive porque na maior parte do tempo não temos idéia de para onde vamos. Mas vamos juntos - alguma luz - a mão e o barro, ao encontro da aventura que se revela ora a nossa frente, ora profundamente dentro de nós.

Choramos, às vezes; rolamos de rir, outras tantas; nos debruçamos sobre abismos, sobrevoamos canyons, descemos aos infernos.
Surpreendemo-nos. Esta, a melhor viagem.

Quem é devoto da palavra, dela não escapa, bem sei. Ela é exigente, mas redentora e libertária.

Portanto te afirmo: É através desta senhora, que é toda juventude e frescor, que o disforme oco que me habita encontra meios de se expressar, livre do meu comando todo vicio. E assim desalojado, sou obrigado a produzir mais e melhores palavras para formatar este mosaico que vai dar em mim. E me cobrir de panos, uma outra vez. Para que tudo recomece e eu permaneça vivo.

Alinho-me a um mestre, artesão de palavras, o nosso Chico, e as reverencio, por puro prazer: ‘Passas sem ver teu vigia catando a poesia que entornas no chão.’

9 comentários:

Dom disse...

Palavras... Confesso não ter habilidades para me imiscuir num universo tão íntimo como o do autor com suas palavras.
Prefiro fazer meus os conceitos de Luigi Pirandello,(1867 - 1936)

"Como podemos nos entender...se nas palavras que dizes colocas o sentido e o valor das coisas como se encontram dentro de sí, enquanto que quem as lê inevitalvelmente as assume com o sentido e o valor que tem para sí, do mundo que tem dentro de sí.
Ainda assim nos entendemos e nos sentimos...
Todo fantasma, toda criatura de arte, para existir, deve ter o seu drama, ou seja um drama do qual seja personagem e pelo qual é personagem. O drama é a razão de ser do personagem; é a sua função vital: necessária para sua existência.
Quando uma palavra nasce,adquire imediatamente tal independência, inclusive no seu próprio autor, que pode ser imaginada por todos em tantas outras situações que o autor não pensou em inseri-la e às vezes pode adquirir também um significado que o autor jamais sonhou em dar-lhe".

"Tutto per bene, comme prima, meglio di prima"

luis disse...

Meu caro, restou-me UMA palavra: parabéns!
Belo texto.

Unknown disse...

Palavras, encantamento e paixão. Sempre as tive como amigas, mesmo qdo as danadinhas, por vezes, teimam em se esconder no universo lúdico dos pensamentos. Sempre foram companheiras, desde pequena. Nelas me refugio. São minha dor e delícia. Como são tb minha fonte trabalho, por vezes me entediam, quero correr delas. Não posso. Seu texto é magnífico. Expressa a ternura, o jogo, o dar-se a elas, que, sim, tem vida própria (e como!) Pensamos, ingenuamente, possuí-las, quanta ilusão!... Mas, penso, o q seria de mim sem elas?
Como gostei de ler suas palavras!
Canto de sereia, talvez, mas resistir, quem há de? E para que?
Deixemos que o encanto e a magia nos levem, nesse tempo que temos.
Abençoadas as palavras. Que lindo o seu texto!!!

Anônimo disse...

Sugiro um desagravo contra o mau uso da palavra, especialmente o nosso português q tem apanhado mais do que mulher de malandro.

Maria Helena disse...

Adoro falar, tagarelar, mas aqui me calei.

Aguardo o próximo.

silvia disse...

Meu caro, que bela amizade a sua com as palavras. Esbanja beleza.

Renata disse...

Sem palavras!!

Lucca disse...

Bacana.
Depois de Caetano essa palavra serve pra tudo.

Anônimo disse...

Tinha lido aqui antes e voltei para reler pq tá bonito demais. Parabéns.